
DE OESTE A LESTE
contos da goiabeira
O conto do açougueiro
Um palhaço recebia todos que chegavam, tentava chamar atenção com sua maquiagem azul e seu aceno triste. Inspirado nas propagandas que via na televisão falava: "Venham, respeitável público! Aqui não há mais mortes!". Ele puxava a cadeira para os que chegavam pudessem descansar embaixo da goiabeira no pé do morro e ofereciam comidas, bebidas e histórias. Logo começaram a beber e se divertir e histórias a ir e vir. Falaram então daquilo que havia de melhor e de pior, e ninguém concordava sobre o melhor. Uns falavam das goiabas da goiabeira, outros falavam da sombra da goiabeira, outros da beleza da goiabeira e o debate sem fim se estendia a respeito do que de melhor havia. Mas todos concordavam sobre o que havia de pior: A carne do Açougue do topo do morro. Ninguém gostava do corte, mas principalmente do tipo. Carne Humana. O catador das goiabas contou quando encontrou o Açougueiro no meio da noite e do frio que sentiu na espinha. Ele havia acabado de fazer seu corte, dois braços, duas pernas, duas mãos, dois pés, uma língua, dois olhos, uma cabeça boquiaberta pendurada a balançar num carrinho de geladeira... Sempre fazia o mesmo percurso na madrugada, subia e descia o morro, levando carne fresca para seu açougue, as vezes só com as pernas, as vezes só com os braços, às vezes só com as cabeças.
O podador da goiabeira contou quando viu o Açougueiro escrever os nomes das pessoas que viria buscar nos galhos da copa da goiabeira, para que todos pudessem ver. E ficava contando, buscando os nomes, cada dia menos nomes, o podador também via ele os riscar e cada dia menos nomes havia para contar. O limpador das folhas da goiabeira contou que num dia forte de chuva fez descer os cortes largados no topo do morro e então centenas de braços, pernas, torços e cabeças vieram descendo, misturados com o sangue, a chuva, a lama e a merda e todos riram pois lembraram que foi ele quem teve de limpar. Depois das gargalhadas cada um contava sua história do Açougueiro as risadas e pensavam tranquilos no palhaço que dizia "Aqui não há mais mortes! Podem vir!" para o público que chegava para descansar embaixo da sombra da goiabeira.